"RECONHEÇO
QUE DEUS ME FEZ UM FAVOR"
Façamos uma pausa
e demos a palavra a Frei Daniel em pessoa.
É salutar, chegados
a estas alturas, fixar satisfeitos o olhar no caminho já percorrido
e escutar um trecho da carta que no dia 02 de fevereiro de 1916 ele escreve
ao Padre Geral.
"Permita que o último de seus filhos, da solidão do
retiro em que vive, venha beijar sua sagrada mão e implorar sua
pastoral bênção no início do novo ano.
Todos os meus companheiros costumam neste período escrever-lhe
longas e interessantes cartas cheias de tantas fadigas apostólicas
e de abundantes frutos colhidos no sagrado ministério; e eu ao contrário
envio-lhe a presente absolutamente vazia de todo porque como o senhor já
deve saber, vivo separado e isolado do convívio dos meus co-irmãos
em conseqüência da doença que Deus quis me dar.
Todos os dias porém, agradeço a Deus a graça que
me fez, pois reconheço que me fez um favor especial.
Nem me faltaram até agora consolações espirituais
tais que jamais teria acreditado ter.
Exerço a função de Capelão, (por caridade,
unicamente porque o governo não se interessa de nada) no hospital
dos doentes onde vivem reclusos 180 e mais infelizes atingidos pelo
horrível mal, a maior parte dos quais em condições
que espertam horror e repugnância. Celebro a Missa de vez em quando,
assisto os moribundos; desde o ano passado abri uma escola de catecismo
para os meninos (são uns 50) ..."
A carta continua. Aqui há
muito a ser ressaltado e será o próprio Leitor a fazê-lo:
já deveria estar em condição de saborear sozinho as
coisas santas de Frei Daniel.
A doença dele é
uma graça!
É um favor especial;
um prêmio, sempre acrescentamos nós, certos de estarmos
em sintonia com o pensamento agradecido de Frei Daniel. Difícil
entender unicamente com os critérios de nossa inteligência.
E o Leitor nos deixe acrescentar
mais uma coisa.
A nós parece podermos
captar uma substancial diferença nessas duas expressões referidas
no trecho.
A primeira: "Em conseqüência
da doença que Deus quis me dar".
A segunda: " ... 180 e mais
infelizes atingidos pelo horrível mal ... ". Nesta última
lemos como uma espécie de fatalidade, um acidente de percurso, uma
telha que cai na cabeça e é claro que ninguém esperava
isso. Aconteceu, diz o nosso povo: aconteceu, acontece ...
Na primeira, ao contrário,
percebe-se vívida uma escolha, um ato preciso de vontade, um plano
a ser realizado por meio da doença que, portanto, não é
nem feia nem desperta horror ou repugnância; é uma entrega,
neste caso, aceitável, bem aceitável, pois vem de Deus.
Fica assim explicado porque
brotam espontâneas da caneta de Frei Daniel palavras como Graça
e Favor especial.
A vida no Leprosário
continua com altos e baixos, com insatisfações e revoltas,
com fatos dolorosos e cruentos, com pequenos e grandes estremecimentos,
com muita pena e muito pouca alegria e Frei Daniel, por nada preocupado
com a doença que avança inexoravelmente, exerce atento e
vigilante seu serviço religioso com profundo espírito
agradecido.
A prima Irmã Felícita,
missionária em Belém como Frei Daniel e presente a sua morte,
escrevendo à mãe - (15-06-1924) - para-lhe dar a triste notícia,
lembra comovida: "Ele possuía no seu ânimo paz e tranqüilidade
e no meio das dores ainda dizia que a lepra que Deus lhe tinha dado
a considerava uma graça semelhante àquela da Ordenação
Sacerdotal
... ".
A vida no Leprosário
continua; o Diário de Frei Daniel a narra para nós, enquanto
ele vive sua vocação. agradecendo sob o olhar satisfeito
do Bom Deus que de vez em quando se deleita em modelar semelhantes obras-primas...
Por sorte nossa!...